Sem espaço para pecado

“Está escrito nos profetas: E serão todos ensinados por Deus. Portanto, todo aquele que da parte do Pai tem ouvido e aprendido, esse vem a mim.” [Jo. 6.45]

O movimento da vontade não é o da designação que por muitas eras foi ensinado e em que se creu; um movimento que, em seguida, nos deixa a escolha de obedecê-lo ou resisti-lo. Antes, se trata de um movimento que nos afeta eficazmente. Devemos, portanto, desaprovar fortemente o comumente repetido sentimento de Crisóstomo: “Aquele a quem ele atrai, o faz voluntariamente”, insinuando que o Senhor apenas estende Sua mão e espera para ver se nos alegraremos em aceitar Seu auxílio.

Nós consentimos que, como o homem foi originalmente constituído, ele poderia inclinar-se para qualquer lado. Mas, considerando que Ele nos ensinou pelo exemplo que miserável coisa é o livre-arbítrio se em nós não estiverem as obras de Deus, de que serve para nós a graça conferida em tal medida tão escassa? Não, por nossa própria ingratidão nós obscurecemos e deterioramos a graça divina.

A doutrina do apóstolo não é a de que a graça de uma boa vontade é oferecida a nós caso a aceitemos, mas de que o próprio Deus se agrada de agir em nós de modo a guiar, transformar e governar nosso coração por Seu Espírito e nele reinar como sendo propriedade Sua. Ezequiel promete que um novo espírito será concedido aos eleitos, não para que sejam meramente capazes de vaguear em Seus preceitos, mas para que possam verdadeiramente caminhar neles [Ez. 11.19, 36.27].

E o único significado que se pode dar às palavras de nosso Salvador é: “…todo aquele que da parte do Pai tem ouvido e aprendido, esse vem a mim” [Jo. 6.45], pois a graça de Deus é eficaz em si mesma. Os homens devem, de fato, ser ensinados que o favor de Deus é oferecido, sem exceção, a todos que o pedem; contudo, considerando que só começam a pedir aqueles a quem o Céu inspira pela graça, até mesmo esta ínfima porção de louvor não deve ser negada a Ele. É privilégio dos eleitos serem regenerados pelo Espírito de Deus e então serem colocados sob Sua orientação e Seu governo.

João Calvino

Dia a Dia com Calvino: Devocional Diário, trans. Elisa Tisserant de Castro (Curitiba: Publicações Pão Diário, 2021), 132–133.

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